Carta de Princípios
Contexto económico, político e social
O avanço do capitalismo conduziu ao fenómeno da globalização, que intensificou o processo internacional de plena integração económica, social, cultural e política no mercado capitalista global. Impulsionado pela diminuição dos custos dos meios de transporte e comunicação, este processo, que ocorreu de forma mais intensa no final do século passado, correspondeu à intensificação das transacções financeiras, do comércio, dos movimentos de capital e de investimentos bem como da mobilidade das pessoas (as migrações) e da divisão internacional do trabalho. Com a deslocalização das indústrias para os países do terceiro-mundo, onde o reduzido custo da mão-de-obra permitiu aumentos colossais dos lucros das grandes corporações e das economias ocidentais, assistiu-se à terciarização da economia dos países ocidentais! Na UE, quase ¾ dos trabalhadores estão integrados no sector terciário! Por cá o panorama não difere muito: 70% dos trabalhadores portugueses laboram no sector dos serviços, em áreas do turismo como a hotelaria e restauração, telecomunicações, serviços de “call-center”, retalho, imobiliário, protecção e segurança. Além disso, a facilidade de mobilidade e a demanda por mão-de-obra nos países ocidentais – para sectores da economia que deixaram de atrair trabalhadores autóctones (por ex.: construção civil, agricultura e sector primário em geral, limpezas, hotelaria, restauração, etc.), devido aos baixos salários e à dureza inerente a estas actividades – proporcionaram, ao longo de décadas, vagas de imigração intensas de pessoas provenientes dos países do terceiro mundo, que fogem às más condições de vida nos seus países de origem. Condições essas provocadas pelo saque imperialista sob formas neocoloniais, levado a cabo pelos países Ocidentais.
O advento das novas tecnologias veio revolucionar o capitalismo e, principalmente, o mundo do trabalho e as suas formas de organização! É a chamada “economia da partilha” mais comummente designada por “uberização” do trabalho! Há já inúmeros serviços que funcionam segundo o modelo “Uber”: desde as viagens à saúde, do alojamento local à restauração. Os exemplos abundam, desde alternativas mais vantajosas a serviços como o de táxis, no caso da Uber, e hospedagem local como o “Airbnb”, ambas cada vez mais populares. Passamos por um período de evolução tecnológica sem precedentes. Atingimos o que especialistas denominam de “4.ª Revolução Industrial” na qual as actividades tradicionais estão a ser substituídas por “softwares” aptos a realizarem tarefas com maior eficiência e agilidade, proporcionando a redução de custos e o aumento da massa de lucro do capital (embora isso conduza a uma redução da taxa de lucro). Os efeitos colaterais que estes novos modelos de negócio provocam, na maioria das vezes, são a falência de empresas tradicionais e a precarização dos trabalhadores, assistindo-se a alterações radicais no mundo do trabalho e à disrupção total dos conceitos mais básicos do direito laboral, e sempre em prejuízo dos trabalhadores!
Todas estas áreas de actividade são dominadas pelo sector privado e destacam-se pelos baixos salários e pela subcontratação, onde as taxas de sindicalização são muito baixas e a precariedade laboral é generalizada!
No entanto esses trabalhadores não contam com quaisquer estruturas representativas que os organizem,
estão completamente esquecidos e abandonados pela esquerda e pelo sindicalismo reformista!
Se nos sectores público e industrial uma grande parte dos trabalhadores é abrangida pela contratação colectiva, que garante, apesar das limitações impostas pelo sindicalismo amarelo e de conciliação de classes, vínculos laborais sólidos, alguma protecção laboral e salários superiores à média nacional, no sector privado, na agricultura, no sector primário em geral, no sector terciário e na chamada “economia informal” (uberizada) predomina a “lei da selva”:
contratos individuais, vínculos precários, contratos de muito curta duração,
falsos recibos verdes, trabalho clandestino e até escravo!
A crise do capitalismo financeiro imperialista, a ofensiva burguesa contra a classe trabalhadora, as sucessivas reformas das leis laborais, os impactos das novas tecnologias no mercado de trabalho e a degenerescência das organizações sindicais, têm resultado na degradação das condições de vida dos trabalhadores, no aumento da precariedade e da exploração e na diminuição acentuada da taxa de sindicalização no mundo! No entanto, as classes dominantes vão encontrando formas de perpetuar a exploração e, através do discurso, vender como modernas as velhas condições de precariedade a que muitos estão sujeitos.
Os sindicatos que temos…
Em Portugal, à semelhança da generalidade dos países desenvolvidos, tem-se assistido a uma forte erosão da representação sindical, estimando-se que a taxa de sindicalização ande à volta dos 10% ou menos da população activa. A essa erosão não deve ser alheio o facto de os sindicatos existentes terem as suas “clientelas” certas e não irem muito além disso! A CGTP e a UGT representam, grosso modo, o funcionalismo público, as empresas de capital público, empresas de grande dimensão e de sectores protegidos da concorrência. Com estruturas monolíticas, pouco transparentes e democráticas, são terreno onde predominam os reformistas e os oportunistas, o que tem resultado em mais exploração dos trabalhadores desfavorecidos: trabalhadores imigrantes racializados, afrodescendentes, do trabalho informal e das camadas laborais mais proletarizadas da sociedade.
Hoje os sindicatos servem, quase exclusivamente, para a pequena burguesia assalariada melhorar a sua situação económica, estão perfeitamente enquadrados nos mecanismos capitalistas de “concertação social”, são uma dócil correia de transmissão dos interesses burgueses no seio das classes laboriosas.
A sua democracia interna está viciada. Dominam de forma absoluta o conformismo face ao sistema, a conciliação de classes, o interesse profissional egoísta e corporativo, o nacionalismo, a rotina. As elites burocráticas apoderaram-se de todo o poder e sufocam todas as iniciativas de base proletária! Os sindicatos são dirigidos por verdadeiras máfias ao serviço dos aparelhos partidários e, por seu intermédio, do grande capital.
Os sindicatos que deveríamos ter…
Necessitamos de sindicatos de classe, que não cedam à burguesia patronal, que defendam única e exclusivamente e de forma intransigente quem trabalha, que saiam da defensiva e passem ao ataque! Nestas condições actuais algumas velhas questões dos primórdios do movimento operário retornam com toda a pertinência: o que é o sindicalismo? Ele é de facto importante no apoio à luta dos trabalhadores pelo fim da exploração capitalista? Se sim, de que forma? A tarefa de criar um sindicato totalmente diferente dos que existem actualmente exige uma linha ajustada ao actual contexto, ao momento histórico, político, social e económico. Exige um trabalho contínuo, firme e empenhado dos trabalhadores mais conscientes para fomentar as lutas económicas com viés revolucionário, para reforçar a independência de classe do proletariado e a sua organização política, inclusive, para lá dos sindicatos! O nosso objectivo será construir, pela base, a unidade política e de acção do proletariado, com profunda participação na vida das massas e em quaisquer das suas reivindicações, visando, assim, construir em conjunto a alternativa proletária! Os objectivos da luta sindical são geralmente estreitos, mas a forma como essa luta é conduzida pode e deve ser combativa! O sindicato pode, e deve, ser “correia de transmissão” dos interesses políticos do proletariado, mas isso não significa autorização para espezinhar a democracia interna da organização.
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