A CAP já tem um plano para obter força de trabalho barata de maneira legal, nomeadamente em conluio com o Governo, promover o recrutamento de trabalhadores em países como Marrocos (com o consentimento das autoridades locais), trazendo estes trabalhadores para Portugal de forma temporária e mantendo-os numa condição de exclusão face a eventuais direitos de organização sindical e associativa, chantageando-os com a possível expulsão do país.
Margarida Ferreira, trabalhadora na área de informática
12 de dezembro de 2022
Já era do conhecimento geral que há largos anos havia suspeitas de trabalho forçado, leia-se escravatura, nos campos agrícolas portugueses, nomeadamente e principalmente alentejanos.
Poucos falavam no tema, ainda menos levaram a cabo qualquer esboço de apoio à organização (associativa, sindical ou política) dos trabalhadores (sobretudo imigrantes) da agricultura.
A posição dos patrões da agricultura é simples: são contra a utilização de trabalho escravo na agricultura porque o risco não compensa, são a favor de contratar trabalhadores migrantes temporariamente sem lhes dar acesso à nacionalidade ou a qualquer possibilidade de acesso a representação associativa ou institucional.
A fronteira entre o que se poderá considerar um escravo ou um trabalhador migrante com péssimas condições de sobrevivência é, portanto, uma linha quase invisível. Assim como a linha que separa uma rede de tráfico humano de uma Empresa de Trabalho Temporário é, essencialmente, estar legalizada ou não, apesar dos diferentes graus de intensidade dos seus métodos exploradores.
Mas para contextualizar melhor quem nos lê, uma breve recapitulação destes recentes desenvolvimentos:
23 de novembro de 2022: logo pela manhã, é anunciada na comunicação social uma operação em curso da PJ, levada a cabo após um ano de investigações relacionadas com tráfico de seres humanos, associação criminosa e branqueamento de capitais. Segundo a PJ, tratava-se de “uma vasta operação policial envolvendo cerca de 400 operacionais, em várias cidades e freguesias da região do Baixo Alentejo, tendo procedido ao cumprimento de sessenta e cinco mandados de busca domiciliária e não domiciliária, e à detenção fora de flagrante delito de trinta e cinco homens e mulheres". (1)
2 de dezembro de 2022: é emitida numa rádio uma entrevista a Eduardo Oliveira e Sousa, representante da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP), em que durante os 45 minutos se lamenta e queixa, mostrando ser já um dos melhores atletas desse desporto olímpico da burguesia: chorar e mendigar apoios do Estado, sem no entretanto deixar de proferir pérolas como “Nos casos de escravatura, os agricultores muitas vezes são vítimas”.(2)
O representante da CAP apenas aborda a temática da escravatura na agricultura durante pouco mais de 6 minutos, ocupando o grosso do tempo com:
- Pedidos de mais apoios para os patrões do setor agrícola;
- Achismos sobre a possível extinção do Ministério da Agricultura;
- As más relações entre a ministra da Agricultura e a CAP;
- Um suposto preconceito “ideológico” contra os agricultores, principalmente para com os de maior dimensão.
No que toca à escravatura e ao tráfico humano, a CAP (na figura do seu representante) diz que não tem absolutamente nada a ver com tais acontecimentos e que “isto é um caso de polícia”. No entanto sai em defesa dos empresários que empregam força de trabalho escrava... referindo que há patrões “surpreendidos por estarem envolvidos sem saber” e que alguns têm relações com empresas de fachada das tais redes de tráfico humano, pois “como é por pouco tempo, não vão à minúcia de saber quem são estas pessoas, que tipo de empresa é...”. Passados alguns minutos a falar sobre o tema, é fácil perceber que para a CAP o grande problema do trabalho escravo não se prende com qualquer problema moral, mas sim com dois aspectos principais:
1) Os ganhos inerentes ao ato de empregar este tipo de força de trabalho (escrava, entenda-se) não compensam os riscos (as multas, os processos, amá imagem que passam do sector...);
2) A CAP já tem um plano para obter força de trabalho barata de maneira legal, nomeadamente em conluio com o Governo, promover o recrutamento de trabalhadores em países como Marrocos (com o consentimento das autoridades locais), trazendo estes trabalhadores para Portugal de forma temporária e mantendo-os numa condição de exclusão face a eventuais direitos de organização sindical e associativa, chantageando-os com a possível expulsão do país.
A posição dos patrões da agricultura é simples: são contra a utilização de trabalho escravo na agricultura porque o risco não compensa, são a favor de contratar trabalhadores migrantes temporariamente sem lhes dar acesso à nacionalidade ou a qualquer possibilidade de acesso a representação associativa ou institucional. Resumindo: para quê redes de tráfico de humano se a CAP se propõe afazer o mesmo, mas de forma legal!?
O caminho é longo mas a única saída é o apoio à luta e organização dos trabalhadores do setor, que são dos que mais baixos salários auferem e que sob mais difíceis condições laboram.
A luta não é um caminho, é o único caminho!
Notas:
(1) Comunicado disponível aqui.
(2) Entrevista disponível aqui.
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